7.1.14

caixa.

Ela foi colocada em uma caixinha.

Era uma caixinha preta, e até confortável. Tinha furos, por onde se passavam os dedos das pessoas de fora. Tinha amigos de unhas muito bonitas, limpas e bem cortadas.

O mundo dela era esse, escuridão com oito fachos de luz, que vinham dos furos do cubo que vivia.

Imaginava como seria um aperto de mão. Ousava, pensando em como seria um abraço. Mas estava trancada em sua caixa, sozinha.

Os de fora nunca imaginariam que ela queria viver na luz. A caixa era estática, sem movimentos de luta para sair. Não se interessavam em tentar tirar a tampa pesada que a trancafiava. Ela sentia que fazia por merecer, a culpa era dela, de fingir ser a garota da caixa, conformada com menos que uma mão.

Eles não viam os arranhões dentro da caixa.

Eles não viam as unhas dela, todas quebradas.

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ando meio monotemática por aqui. peço desculpas.

16.10.13

pensamentos sobre o pensamento.

Não existe algo mais fascinante que o pensamento.

Como pode algo tão abstrato nascer de algo tão físico como um punhado de sinapses? Como pode sermos tanto, estando confinados à caixa craniana?

O cérebro tem vida. De lá, nasce a personalidade, nossos sentidos, nossos devaneios. Tudo nasce de lá.

Somos neurotransmissores, e é estranho pensar nisso.

Querem acreditar que existe algo mais glorioso além do nada, do completo caos do universo. Não querem ser uma aleatoriedade. Querem ter significado. A religião nasce porque é difícil aceitar isso, e assim é com a cabeça, é difícil aceitar que tudo o que você pensa e sente é só bioquímica que acontece no seu cérebro.

Nada faz sentido.

Qual o sentido do pensamento? Por que?

A realidade existe, sem algo que trabalhe nela? O mundo existe, se não há nada que o perceba? A realidade, na verdade, é subjetiva? Porque ela reside no nosso cérebro. É interpretação.

Conexões de palavras, de ideias. Conversas que travamos com o próprio ser, consigo mesmo. Ondas só suas, batalhas que só sua massa cinzenta sabe claramente. Você pode tentar explicar, organizar as frases. Se entende a ideia central, mas não a essência pura. Porque só quem é dono do pensamento, que às vezes nem se organiza em palavras, mas em sensações, sabe de fato o que pensou.

O pensamento intriga ao ponto de refletir sobre a existência humana.

Essa trilha da cabeça é um mistério.

Susanna Kaysen fala de a cabeça ser dividida em intérpretes, um que pensa, e o outro que pensa o pensar.

Talvez o que pense o pensar seja enfim nossa alma.

É esquisito perceber que o que pensa o pensar também é um pensamento. Também é bioquímica. Também está preso no nosso cérebro. Tudo, tudo é intracorpóreo. E por tudo ser intracorpóreo, a existência fascina, e o universo fascina, e como podemos existir no meio dessa entropia fascina.

Somos o caos estalando em sinapses.

Somos teias incompreensíveis.

Somos sem sentido algum.

Só o fascínio nos mantém, com uma pergunta.

Como pode?
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não costumo postar textos assim por aqui, fluxos de ideias. costumo postar contos. como faz muito tempo que não publico nada, abri essa espécie de exceção.

8.9.13

uma observação:

Posso passar um longo tempo sem postar.
Nunca passo um longo tempo sem escrever.

21.4.13

pés descalços.

A cortina aberta deixava um facho de luz entrar no quarto, iluminando a cama dela. Sentindo a luz tocar no rosto, ela acordou, permanecendo imóvel por alguns instantes antes de a força de vontade acordar também.

Esticou-se, pôs os pés para fora da cama e pisou no chão.

O azulejo era frio.

Olhou para o cantinho do quarto, onde ficavam suas sapatilhas. Ela sorriu por nunca as ter usado.

Gostava de andar descalça, porque assim se sentia livre, se sentia ela mesma. Gostava de conhecer o chão que pisava. O orgulho por estar sempre sem sapatos era parte dela também.

Alguns não achavam muito sensato, da parte dela. Pessoas andavam calçadas, afinal de contas. No seu aniversário, sempre ganhava várias meias.

Pensava, se estão se importando por eu estar descalça, é porque não são pessoas que devam estar comigo.

Um dia tinha passado por grama, asfalto e calçada quebrada antes de chegar em uma festa, onde estava o garoto alto. Ela tinha interesse por ele, conseguia imaginar a si mesma arranhando suas costas, contra uma parede.

Ele a achava bonita, mas ela andava descalça.

Se se importam com meus pés, não são para mim, dizia para si. Não aceitam meus pés nus, não precisam conviver comigo, repetia.

O orgulho dos seus pés a evitava de mancar.

Andou pelo azulejo do quarto, do corredor e da cozinha, para tomar café sentindo o que restou do frio da noite através do piso.

Dia pós dia, caminhava sentindo o ar entre seus dedos. Mas o orgulho não se sustentava como antes, não servia de base sólida como seus pés que começavam a dar passos incertos.

Questionava se o certo era ter pés descalços. Questionava sua liberdade e seus passos. Questionava se estava seguindo o caminho que deveria seguir.

Se são pessoas que importam, elas não se importarão com minha falta de sapatos, continuava o resquício de orgulho, tentando manter sua posição.

Cambaleava.

O facho de luz a acordou, naquele novo dia. As dúvidas faziam a força de vontade ter uma soneca maior que a de antes.

O azulejo deu-lhe um beijo frio antes de ela encarar as sapatilhas no cantinho do quarto.

Foi até lá e as calçou.

Passou o dia caminhando sem sentir o ar entre os dedos dos pés. A liberdade reclamava, mas o orgulho dos pés descalços vacilava.

Quando voltou para o quarto, no final do dia, estava cheia de calos. Bolhas no calcanhar.

Suspirou enquanto colocava meias para poder dormir. Elas finalmente eram usadas.

30.1.13

lacrado.

As pessoas costumavam contar sonhos e ele as escutava.

Algum amigo o telefonava e narrava histórias por horas, outro digitava palavras noite adentro pelo computador. Aquela amiga, que o chamou para um café, contou cada sobressalto do seu sonho antes de tocar em sua coxa, mexendo no cabelo com as mãos, lançando-lhe então um olhar lascivo.

Ele também tinha sonhos.

Certa manhã, acordou sorrindo. Era o que fazia quando tinha um sonho tranquilo, refletia sobre enquanto encarava o teto do seu quarto. Era um bom sonho para compartilhar. Algo além do vazio de uma manhã qualquer.

Contou para um amigo depois de uma cerveja. Contou da paz que sentiu, contou da calma dos gestos da garota do sonho, contou como sentiu a pele dela.

Só depois percebeu o corte que tinha nos dedos, seu sangue pingava na mesa do bar. Não conseguiu limpar tudo com o guardanapo vagabundo.

Seus sonhos sangravam quando revelados, ele aprendeu.

Escritores passavam seus sonhos para o papel, palestrantes dividiam sonhos com um auditório. Sonhos enfeitavam novelas. Mas ele não podia dizê-los, era anêmico em potencial.

Seu sono REM individualizado o isolava. Sempre que tentava contar para um amigo, o vermelho tingia suas roupas, o desestimulando a se abrir.

Foi quando ele estava cansado de band-aids e com a mente quase hermeticamente fechada que ele a conheceu. Tímida e de pele delicada, ele queria conhecer seus sonhos. Tornaram-se amigos.

Um dia ela despejou todo o conteúdo de um sonho para ele, toda a sua angústia noturna. Ele segurava sua mão, ouvindo o calor dela, e queria sabê-la por completo.

Queria contar seus sonhos para ela, queria se expor, deprimido por seu silêncio de guardador de sonhos.

Começou uma narrativa, nervoso.

Ela imediatamente virou-se para ele, com os olhos bem abertos, sem acreditar que iria ouvi-lo e enfim parar de supor o que ele sonhava. Nem conseguia piscar.

Ele prosseguiu com seu sonho antes lacrado. Discorreu sobre seus medos na história que preenchia suas noites.

Um filete de sangue escorria de suas orelhas e ele não ligava se sua pele iria cicatrizar ou não.

Depois, a garota deu-lhe um lenço.

29.12.12

seis horas.

Caminhava sem saber no que pensava.

Ela precisava chegar às seis horas e para isso precisou pegar um ônibus. Depois de se sentar, próxima à janela, parecia pensar sem notar, cabeça vazia sem realmente estar. Os pensamentos se guiavam por si, enquanto olhava o movimento da rua.

O vidro da janela era embaçado, via o mundo feito astigmático.

Agora, na rua, sentindo o peso da bolsa em seus ombros, via o contorno das formas e pensava se todos viam como ela.

Sereias precisam ser míopes para ver bem debaixo d'água.

Andava e não sabia mais o por que. Era como se não tivesse objetivos reais, caminhando pelo ato de caminhar, de seguir, sem refletir no que está além disso.

Só precisava chegar às seis.

Ela era máquina, inspirando e expirando, atravessando a rua e olhando a calçada quebrada.

O céu muda de cor de quanto em quanto tempo?

Na sua determinação desfocada, via um homem suado de academia vindo na sua direção, e ele tinha suas ideias, e ele tinha sua própria personalidade, e ele tinha sua história, indo para um lugar que não interessava aos passos da garota. O homem, ao vê-la, parou e pôs-se de lado para ela passar.

Tomou um susto enorme porque lembrou que não era invisível.

Por o pensamento voar tanto, ela pensou que não existia ali.

Será que a viam na rua e pensavam nas histórias que ela carregava, assim como ela fazia com os passantes? Às vezes falava sozinha ao caminhar, será que notavam?

Quando falava sozinha, inventava histórias para si, situações. Carregava sua história e suas histórias.

Parou para pensar na sua falta de pensar. Ao pensar na falta de pensar pensou que se pensa o tempo todo. Seu coração iria bater e sua mente iria pensar sempre.

Na verdade, iria parar algum dia, mas então não importaria mais. Ela não existiria. Não teria consciência para notar que não pensava.

Só faltavam poucos quarteirões.

Uma dor atravessava suas costelas, uma dor aguda. Continuou andando no mesmo ritmo, percebendo as pontadas, porque caminhar mais devagar não iria aliviá-las.

E precisava chegar às seis.

Debaixo de uma árvore, parou para atravessar a rua. Quando lançava um passo para asfalto, uma folha caiu sobre seu ombro. Assustou-se.

Olhou para a rua e viu os olhos de faróis iluminando seu rosto. Notou como o ônibus corria.

Enfim parou de pensar.

-
coloquei a tag "conto" nesse texto, mas não sei bem se isso é um conto. deve ser.

24.8.12

inversão.

Depois da sua aula de esgrima, a garota se sentia cansada, mas estimulada. Sabia dominar o florete muito bem, quase uma extensão do seu braço. Também possuía algum destaque no boxe e em artes marciais, como as demais mocinhas da sua idade.

Estudava em uma escola de internato tradicional, só para garotas. Tinha aulas comuns como português e matemática, mas o diferencial das formandas de lá estava na ampla quantidade de lutas que elas aprendiam, nas quais nossa heroína era invejada. Dentre os outros cursos adicionais, estavam o preparatório para o ingresso no mundo financeiro das bolsas de valores e também aulas de funcionamento geral de automóveis.

Ela se dirigia ao seu quarto automaticamente. Quando as pernas se guiam de forma autônoma, a cabeça tem mais conforto para vaguear além dos corredores e dos pátios do colégio.

- Oi, - cumprimentou ao entrar no quarto. Sua amiga, Juliana, lia tuites, deitada. - desisti da greco-romana hoje. Posso agora te ajudar em química, se quiser.

Juliana disse que não queria pensar em química agora. Amanhã começavam as férias, afinal de contas. Tinha de focar em garotos, isso sim. Por que garotos na mente com tanta frequência?

Talvez fosse o excesso de garotas no dia a dia.

Dormiu em uma noite condensada e sem sonhos. Seus pais a buscariam pela manhã, sem sentimentalismos nem reencontros doces. Isso era coisa para meninos e seus romances baratos.

O nariz colado no vidro da janela do carro e os olhos bem abertos, sem ver, com o foco na mente sempre aérea. Como adorava poder ser independente, ser do sexo que usava saias. Ter sua própria vida, não ser dependente do casamento, poder ser solteirona, se quisesse.

Mas por que, no íntimo, tinha essa fantasia de ser salva? Salva por um homem...! Parte do tempo, ao caminhar na rua, se imaginava na situação de ser atacada e assim meter a porrada no agressor. Pensar em quebrar ossos acalentava o instinto da violência humana. Estar em uma briga.

Mesmo assim, na outra parte do tempo, pensava em uma caminhada sinistra e um agressor hediondo, sendo ela salva por um homem de ombros largos e aspecto viril. Não entendia o deleite que experimentava nessa cena imaginária. Ela era uma conservadora, e as ideias de machismo pareciam de outra realidade, de uma realidade que não era sua.

Mas os ombros!

O devaneio teve uma pausa para uma conversa com a mãe, de forma breve. Ela dirigia com calma. Falava de cavalos.

A mente da garota logo galopou de novo, em um trote inevitável. Só voltou a prestar atenção quando o pai mencionou um possível casamento com um moço de bom dote.

- Ele está preso em uma torre, pobre alma.

O espírito aventureiro da garota relinchou de felicidade.

Perguntou por fossos e dragões. O pai disse que não havia muita informação a ser dada, além do básico. Ele tinha a mãe do moço nos contatos do celular, caso a filha tivesse real interesse.

Nossa heroína se interessou sim pela torre. Gostava de adrenalina. Era boa em torneios. Possuía sagacidade. Ela sabia disso e se fingia de modesta, um dos truques do carisma.

Ficou decidido que salvaria o moço na semana seguinte.

Flutuava na expectativa. Facilidade de perder-se em conversas.

No dia do resgate, atravessou o campo, obstáculos que divertiram. Subia a parte final da torre, com a ideia de vitória.

Chegou ao topo.

Batidas leves na porta semicerrada, que abriu. O rapaz estava ali, de pé, olhando para ela. A garota se sentiu estúpida por sentir um nó no estômago. A consciência da própria estupidez, legítima, veio com a vontade de sorrir só por ver aquele moço, com contrações involuntárias do rosto. Se forçava a não sorrir tão abertamente.

- Vamos?

A decisão foi unânime. Travessão sem dono exato.

Ela não tinha percebido que o dragão que enfrentara, agora derrotado, tinha aquecido e queimado parte da estrutura do castelo. Não tinha percebido uma viga que estava caindo.

Só percebeu o estrondo pesado quando estava ao chão, depois de o rapaz ter a puxado para si e pulado para longe a tempo.

O toque era em todo o corpo. Estava envolvida por completo por ele. Cruzaram os olhares e ele sussurrou, "está tudo bem?". Pelos da nuca se arrepiaram. Tinha sido salva.

Depois de casados, eles dividiam a louça a lavar depois do jantar.

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muito provavelmente um dos mais clichês que já fiz. recentemente, ao menos.